O estudo de Português no CACD
Não seria exagero dizer que o conhecimento linguístico que se espera de um diplomata é comparável ao que se deve esperar de um professor de língua portuguesa. Com o domínio pleno das regras do idioma padrão, o diplomata é capaz de expressar com clareza o que se deve dizer, ou tornar menos evidente um sentido que, embora precise constar de um texto, tanto é melhor se o fizer discretamente, ou ainda identificar se um enunciado permite algum subentendido. Não à toa as atividades do diplomata e do escritor tantas vezes se cruzaram e se misturaram para sempre.
Sabendo disso, o Instituto Rio Branco aprimora, a cada edição do seu concurso de seleção de diplomatas, os mecanismos de avaliação do conhecimento linguístico dos candidatos. Disso resulta que o CACD tem a prova de português mais difícil de todos os concursos realizados no Brasil.
O que a prova tem de difícil? Na primeira fase, apresenta-se ao candidato uma quantidade assustadora de textos para ler, quase nunca textos fáceis, de sentido trivial ou com linguagem apenas informativa. O candidato precisa não somente ler, mas esforçar-se para ler todos esses textos, e as questões formuladas sobre eles exigem o entendimento não só das suas ideias gerais, mas das ideias menos destacadas, assim como dos recursos argumentativos, de construção e de coesão textual. Como se não bastasse, vêm ainda as questões sobre a análise gramatical de passagens desses textos, bem como itens em que se propõem alternativas de redação para trechos. Para avaliar corretamente os conteúdos que essas questões apresentam, o candidato não pode prescindir de pelo menos quatro habilidades: vocabulário amplo, compreensão dos modos de construção de sentido, domínio da taxonomia gramatical e conhecimento sólido das estruturas abonadas pela norma-padrão. Menos que isso, e o candidato precisará estudar mais um ano.
Na segunda fase, a tarefa é ainda mais extenuante: produzir textos longos, sem erros gramaticais, com estrutura conforme aos moldes esperados. E, o que é o mais importante e também o mais difícil, os textos ainda precisam ser interessantes de ler, o que exige do candidato não só domínio dos assuntos, mas capacidade de falar sobre eles de uma maneira que não seja óbvia, chã, comum. Como na primeira fase, essa prova apresentará ao candidato textos para ler, os quais não serão simples, e nem sempre curtos. Se o candidato entender mal esses textos, dificilmente conseguirá atender ao que os comandos da prova pedem, o que resultará em nota insuficiente para mantê-lo na disputa pela vaga. Para sair-se razoavelmente bem na prova da segunda fase, o aluno precisa de extensivo, compenetrado treinamento, guiado por instrutor que conheça não só as normas do idioma padrão, mas os critérios de avaliação atuais da banca que fará a correção dos textos.
Oferecer ao candidato orientação adequada para as provas da primeira e da segunda fase em português não é, portanto, tarefa para amadores. Na verdade, é tarefa da qual mesmo muitos veteranos não se saem “com brilho e galhardia”, para falar como Manuel Bandeira. E, mesmo com adequada orientação e dedicado empenho, boa parte dos candidatos não será aprovada no CACD. O que um professor honesto pode prometer ao aluno é capacitá-lo a saber o que fazer na prova de português. E três ingredientes precisam constar da receita do professor: 1) conhecimento denso e variado da descrição gramatical da norma-padrão, o qual se expanda para além do que as gramáticas escolares repetem sem muita reflexão; 2) intimidade com a prova, a história das suas questões, o cotejo com outras provas com que o CACD de uma forma ou de outra guarde semelhança, a investigação minuciosa que o capacite a entender qual conteúdo está sendo avaliado em cada item, para que ele possa demonstrar ao aluno que o julgamento do item não é nunca subjetivo; 3) tempo: uma preparação minimamente válida para o CACD exige que o professor e o aluno interajam assiduamente, seja pelas aulas mais teóricas, seja pelos exercícios. Isso para a primeira fase; para a segunda, torna-se difícil até mesmo listar as habilidades que um professor precisa ter, mas elas incluem uma combinação de tato e rigor que poucos orientadores conseguem alcançar. É provavelmente a atividade mais desafiadora e exaustiva a que um professor pode se dedicar, em qualquer nível; e, neste do CACD, especialmente.
Por fim, cabe dizer que a capacidade de produzir um bom texto serve ao candidato nas provas escritas das demais matérias do concurso. A análise da correção dessas provas nos concursos dos últimos anos demonstra que, cada vez mais, os alunos que produzem texto fluente, interessante e coeso tendem a melhor avaliação, naturalmente se demonstrarem também, e principalmente, o conhecimento do assunto que cada questão exige.
A carreira diplomática é a carreira da palavra; a trilha para o CACD é, sem dúvida, a trilha da palavra, cujo caminho o guia precisa não apenas conhecer, mas dominar.
Luis Ladeira