Comentários sobre a prova de 3ª Fase do CACD 2020

Comentários sobre a prova de 3ª Fase do CACD 2020

 

Olá, cacdistas.

Abaixo seguem breves comentários sobre a prova de Economia da 3ª fase do CACD 2020. Não se trata de uma resolução da prova, mas sim, de apreciação da mesma. Além disso, o(a) leitor(a) atento(a) poderá encontrar nestas linhas orientações importantes para entender a forma de correção utilizada pela banca examinadora e extrair daí expansão de consciência para seus estudos avançados. 

Continuamente, usarei questões que foram dadas em meu curso de preparação à 3ª Fase do CACD 2020, ministrado no IDEG entre os meses de maio, junho, julho e agosto. Tais referências fundamentam os argumentos que utilizarei nos textos e conferem peso técnico àquilo que discuto. Não se trata de abordagem meramente descritiva das questões trazidas pela banca, mas sim, de análise com comprovação de tratamento antecipado e rigorosamente técnico. 

Além disso, é a forma justa e honesta que tenho de prestar contas às pessoas que estudaram aqui na escola e me deram o prazer de corrigir suas respostas ou mesmo de construir as grades de correção a serem aplicadas. Agradeço imensamente a confiança. 

Das quatro questões, três foram integralmente tratadas no curso de discursivas, sendo que apenas uma delas trouxe uma das componentes que não fora abordada – “cláusula de conteúdo local” –, ainda que todo o restante da questão tenha sido tratado. Obviamente, todas as questões estão contempladas rigorosa e detalhadamente no curso teórico.

Espero que as análises sirvam como uma luz para quem fez esta prova e para quem não a fez, mas deve estudá-la com profundidade. Certamente, após a publicação do padrão de resposta e das notas, atualizarei este texto para que possamos fazer um balanço entre as expectativas e a realidade das correções. 

 

 

Comentário sobre a Questão 1:

Questão bastante esperada. Fiquei feliz ao vê-la na prova, visto que, dentre todas as outras, é a que melhor testa a capacidade técnica do(a) candidato(a). O que se espera é realmente a desenvoltura na análise conjuntural. Como se percebe, todos os critérios podem ser avaliados de forma plena e as respostas podem ser comparadas entre si para que seus quesitos sejam devidamente valorados. Desde a capacidade de defesa de uma tese, com argumentos rigorosos acadêmica e intelectualmente, até o rigor formal gerado pela linguagem técnica que a economia exige. 

Falar sobre a pandemia exige conhecimento de modelos avançados, sobretudo, o modelo de Demanda e Oferta Agregadas. Sabe-se que a retomada do crescimento produz efeitos sobre o curto e longo prazo. Variáveis como inflação tendem a oscilar muito em cenários como este. 

O comando da questão traz um recorte importante: “os efeitos da recuperação da economia global sobre três variáveis brasileiras”. Portanto, não bastava escrever olhando apenas os acontecimentos (ou situação interna). Esta é, de fato, uma questão para 60 linhas. 

No curso de preparação à 3ª Fase do CACD 2020, trabalhamos profundamente não apenas as três variáveis que foram pedidas pela banca examinadora – câmbio, crescimento e inflação -, como fomos muito além na aula e no padrão de respostas, trazendo inúmeras outras análises. 

Como vocês podem notar, na questão dada no curso e que coloco abaixo, não falamos sobre o comportamento das variáveis de modo intuitivo apenas. Alunos e alunas do IDEG possuíam uma ferramenta poderosíssima para argumentar: o modelo de Demanda e Oferta Agregadas. Esta foi a questão número 7 do curso e é exatamente igual àquela que caiu na prova discursiva do CACD 2020. Tivemos a oportunidade de falar da pandemia, desde o lockdown até a recuperação econômica, e suas distorções nos mais diversos prazos. 

Ter rigor sobre o modelo que se aplica é decisivo para uma boa pontuação em questões de análise conjuntural. Não há como a banca questionar o resultado de um modelo. Simples assim. 

 

Comentários sobre a questão 2: 

 

O interessante nesta questão 2 da prova de 3ª Fase do CACD 2020 é que a banca – ao limitar a aplicação do modelo a uma economia fechada – tornou tudo mais amistoso. Afinal, a curva BP deixa de ser utilizada na análise e os efeitos cambiais não são sentidos sobre a política fiscal. 

Quem conheceu o CACD em tempos melhores do que o atual sabe que uma questão como esta é pouco adequada a uma 3ª Fase, sendo muito mais adequada ao TPS, sobretudo pela quantidade de linhas. 

Na realidade, um(a) candidato(a) bem treinado(a) não gastaria mais do que 20 ou 25 linhas para explicar todos os efeitos que foram pedidos. Lamentável que a banca tenha preferido a facilidade da correção (por uma grade de simples aplicação sobre os quesitos) a uma questão que realmente testasse o conhecimento. Para entender meu argumento, basta se colocar na figura da banca. Ela precisa atribuir pontos a cada um dos quesitos. Desta forma, constrói uma grade de correção (ou uma técnica de rubrica) e identifica aquilo que consta ou não na resposta do candidato (não se pode confundir grade de correção com padrão de respostas).

A utilização desta metodologia é tão explícita que a própria questão já traz quais são os pontos que o corretor deve “caçar” na resposta. Perceba que a maioria deles está colocada na forma dos itens que foram pedidos em cada um dos “bullets”. É uma questão construída para o examinador, não para o candidato. Muito menos para contemplar as demandas de perfil do novo diplomata que o Instituto Rio Branco busca (imagino). 

Contudo, eu tenho certeza de que alguém lá dentro do IRBr notou o problema e deve conversar com quem elaborou a prova. Afinal, já pensou se a moda pega? Você paga para alguém fazer uma prova e ele se preocupa mais com o trabalho de correção do que com a psicometria… seria terrível. Longe de mim imaginar que tal simplificação se fez por conta dos custos de correção. Obviamente, seria um absurdo, já que estamos falando de uma das provas mais tradicionais e técnicas no Brasil. 

Esta questão apareceu em dois momentos de nosso curso de discursivas, bem como nas aulas e nos padrões de resposta publicados. 

A questão fiscal foi tratada na pergunta número 7. Portanto, alunos e alunas possuíam as principais informações sobre gastos, déficits e ações de governo que foram levadas a cabo durante a pandemia. Veja o enunciado da questão dada em nosso curso:

Sob o ponto de vista da modelagem de curto prazo, o modelo IS-LM foi tratado de forma exaustiva em nosso curso de 3ª Fase na questão 2. Apesar de trazer o tema da autonomia do Bacen como centro da discussão, o primeiro item pedia análise do efeito crowding out a partir do modelo IS-LM. Ou seja, o efeito de uma política fiscal expansiva sobre as curvas e seus impactos sobre as principais variáveis. No padrão de resposta e na aula, o tratamento gráfico foi dado de forma clara, tendo como exemplo justamente a expansão fiscal. Veja:

Comentários sobre a Questão 3:

Esta é uma questão que tinha grande potencial, mas é preciso esperar o tratamento que a banca dará na correção das respostas. Provavelmente, só saberemos, de fato, quais os critérios que comporão a correção após a publicação do padrão de resposta. É óbvio que o padrão será um “copia e cola” do texto do Krugman, mas existem alguns “poréns”… Veja a explicação abaixo.

Apesar da questão ter trazido como ponto central a “cláusula de conteúdo local” – tipo de normatização para fortalecimento da indústria local, descrita no texto do Krugman (cap. 9) – que não abordamos diretamente em sala no nosso curso de 3ª Fase para o CACD 2020, a base comparativa pedida no comando referente à tarifação e quotas foi dada na questão que segue.

Agora, vamos falar sobre a questão do CACD. 

O grande problema que vejo na questão feita pela banca do CACD 2020 é algo simples: o enunciado está terrivelmente confuso. O comando é duplo. Em primeiro lugar, a banca pede que se trabalhe os impactos sobre vários itens, a partir da inclusão de uma cláusula de conteúdo local (CL) de 50% de estreitamento de absorção. Em segundo lugar, pede que os efeitos da CL sejam comparados com ferramentas de proteção, como tarifas e cotas, em uma economia pequena. 

É justamente sobre as comparações pedidas que enxergo uma futura grande dificuldade de correção para a banca. Se a questão não pedisse tais comparações, seria muito simples. Tudo estaria reduzido à descrição dos impactos da CL contidas explicitamente no livro do Krugman, “Economia Internacional” (10ª edição, p.176 e 177). Bastaria colocar tudo em uma grade de correção (ou rubrica) e aplicar a cada resposta de candidatos(as). 

Mas, ao trazer o aspecto comparativo, fica complicado. Afinal, a CL é, de modo geral, utilizada em mercados monopsônicos, oligopsônicos, monopólicos ou oligopólicos, ou seja, é uma ferramenta que pressupõe mercados imperfeitos e que apresentem reações simultâneas. Normalmente, trata-se de compras públicas em que o governo atua como monopsônio. Não se trata de aplicações a mercado perfeito. Ou, pelo menos, a ferramenta não foi criada para isso. 

Por outro lado, a teoria das tarifas e quotas é aplicada, de modo geral (mas não exclusivamente), ao equilíbrio perfeito (a ressalva “economia pequena” traz consigo parte desta construção hermética de pensamento, apesar de não indicar, em si, a totalidade dos pressupostos do mercado perfeito). Ao passo que as reações dos agentes frente uma CL seria uma média entre o nacional e o internacional disponíveis e oriundos de reações de Cournout ou Bertrand, no limite, o equilíbrio encontrado após uma tarifa ou uma quota é um equilíbrio geral de Pareto. 

Comparar estruturas de mercado distintas e exigir que tal análise seja dada em reposta no contexto de uma prova é algo, no mínimo, estranho. Os efeitos não são comparáveis de forma estrita. Seria necessária a colocação de enormes ressalvas no comando para minimamente viabilizar comparações mais profundas sobre este tema. 

Tal análise que faço é reforçada pelo próprio Krugman em seu manual. Virando a página 177 (supracitada), o leitor verá um quadro comparativo em que são indicadas quatro políticas comerciais: tarifas, subsídios, quotas e restrição de exportação voluntária. Porém, ao longo deste capítulo, o autor aborda cinco políticas comerciais, a saber: tarifas, subsídios, quotas e restrição de exportação voluntária e Requisitos de Conteúdo Legal (CL). Os quatro primeiros são analisados, de forma geral, em concorrência perfeita (ou equilíbrio paretiano). Já o último, em mercados imperfeitos, de modo geral. Não é à toa que Krugman não incluiu o CL no quadro comparativo. Porque a fundamentação teórica é diferente. 

Para ir além, basta pegar o texto “Economia Internacional”, de Gonçalves e Baumann. Apesar de não tratar especificamente a CL, os autores deixam claro, nas páginas 62 e 63, que interferências normativas dependem – dentro da conjuntura da política comercial estratégica – de contextos imperfeitos de estabilização. Em momento algum, traçam análises comparativas entre os comportamentos gráficos com ferramentas tradicionais de proteção aplicáveis a mercados com elevada rivalidade. 

Penso que será um desafio para a banca examinadora corrigir as respostas, face à parte do comando que está mal elaborada. Uma questão, que poderia ter sido a melhor da prova de economia do CACD 2020, corre o risco de pontuação pouco estável em seus quesitos e critérios. Aguardaremos o padrão de resposta e, sobretudo, a dinâmica de correção colocada na grade ou rubrica a ser utilizada. 

 

Comentários sobre a questão 4: 

A última questão discursiva do CACD 2020 trouxe a demanda por uma comparação entre mercados. Novamente, uma questão bastante direta sob o ponto de vista técnico. Estável, por assim dizer. Talvez, a parte mais interessante é aquilo que o comando traz em seu final “… contemplar como o Estado pode atuar em circunstâncias nas quais se configure monopólio…” já que abre espaço para temas como regulação, etc. 

Obviamente, não se pode dizer que a questão foi fácil (seria inútil e errado dizer isso de qualquer questão que já tenha caído nesta prova), mas é um fato que ela pertence muito mais ao escopo do TPS do que ao das discursivas. Há coisas muito mais interessantes e relevantes sobre monopólio e suas correlações. Novamente, penso que foi privilegiada a facilidade de aplicação de uma grade de correção. Perdeu-se em qualidade. 

 

Conclusão

A prova de Economia do CACD 2020 foi uma prova estável. Longe de ser fácil, mas estável. A única questão que realmente pode trazer problemas – por conta de sua formulação – é a questão 3. Para além disso, a banca examinadora precisará de enorme esforço para romper critérios de correção e apresentar ausência de critério absurda como aquela verificada nas correções de 2ª Fase. O motivo é simples: a prova foi construída para ter fácil correção. A distribuição dos itens já mostra a provável grade de correção a ser empregada pela banca. O grupo de examinadores nem se deu ao trabalho de esconder os critérios da rubrica.

Esperemos o resultado e façamos recursos. Espero ter contribuído com este parecer. Estou torcendo muito por você que me acompanhou neste texto. E, novamente, agradeço aos alunos e às alunas que sempre fazem meu dia nascer. Vocês moram em meu coração!

Estarei disponível para ajudar em recursos no momento devido. Todos os anos, ajudo dezenas e dezenas de pessoas. Logo mais, disponibilizarei meus contatos, para que os(as) interessados(as) tenham para onde mandar seus materiais e, assim, para que eu possa ajudar em recurso. Obviamente, é uma ajuda gratuita. 

 

 

Forte abraço!
Marcello Bolzan