Os tempos de estudo

Os tempos de estudo

*por Marcello Bolzan. São Paulo, 31/01/2018.

Após anos atendendo, ouvindo e ensinando alunos e alunas penso que posso ajudar na reflexão sobre os “tempos envolvidos na preparação ao CACD”. Não resta dúvida de que a questão é das mais complexas e perigosas nessa travessia rumo à carreira diplomática. Caso não se compreenda o MOMENTO do estudo e seu ESTADO, dificilmente, @ alun@ sairá da espiral “acorda-estuda-sofre-dorme” que tanto abate candidat@s na preparação.

Como qualquer outra decisão, estudar ao CACD envolve custos temporais. E, claro, maturidade para compreender esses custos. À primeira vista (quero dizer, para @s alun@s que iniciam seus estudos e buscam informações), o tempo de estudo ao CACD se resume ao dispêndio de um ano (ou vários) até se passar na prova. Nesses primeiros momentos, dificilmente há possibilidade para se perceber os diversos “tempos”. Busca-se apenas saber se é possível passar em “tantos anos de preparação”. Temos, aqui, o primeiro tempo: “tempo da preparação”. Então, vamos responder a essa primeira questão. Ficando livre dela, podemos aprofundar o debate.

Você que chega à preparação ao CACD: acredite, você dificilmente irá passar no primeiro ano de estudo. Sinceramente. Existem casos? Para tudo há exceção, porém, estou falando da regra e sendo honesto com você. Simples assim. Não faltará quem lhe queira vender “pacotes de estudo” que prometem aprovações imediatas, ou mesmo “coachings”, “mentorings” e resumos milagrosos. Infelizmente, ainda há essa cultura. Repare que tudo isso não é diferente de tentarem lhe dizer que você pode comprar a aprovação. O que é impossível.

@ alun@ ao assumir o discurso de que pode ser aprovad@ em um ano – muitas vezes, obtido em sala de aula, pela autoridade de docentes ou coordenadores de cursos – deixa, obviamente, de raciocinar sobre o “tempo”. Para refutar de modo concreto essa crença besta, basta conhecer um dado simples: as médias de aprovação no CACD estão entre 3,5 e 4,5 anos de preparo. Meu Deus… tudo isso? Como faço? Ora, programe-se. Não queime todos os recursos que tem no primeiro ano. Você vai gastar bem menos. Garanto. Gaste de acordo com a necessidade do estudo. E não em pacotes milagrosos.

Ainda em relação ao “tempo de aprovação”, a aprovação no CACD segue uma média temporal de estudo idêntica a de qualquer outro concurso de alto desempenho. Um aprovado no concurso da Receita Federal, do Senado Federal, da Magistratura Federal, da Procuradoria, etc. não estuda menos do que essa média de anos para a prova. Não acredita? Basta ver de quanto em quanto tempo esses concursos abrem ou conversar com alguém que estuda para esses certames. Estamos falando de cargos elevados e estratégicos. Portanto, realmente alto desempenho. E demora.

Quer uma outra comparação? Imagine que você entrou em uma empresa privada aos 25 anos de idade e sua ambição é se tornar diretor ou diretora nessa empresa, com um salário de R$ 17.000,00. Diga-me: quantos anos você imagina que terá que trabalhar e se capacitar para chegar a esse cargo mais elevado? A média de estudo à carreira diplomática reflete a vida profissional. Com todas as suas complexidades, dificuldades e tensões. Estamos falando do mercado de trabalho e de uma parcela muito restrita desse mercado.

Olhando dessa forma podemos nos questionar sobre um novo “tempo” da preparação ao CACD: “o número de horas que você precisa estudar por dia para passar na prova”. Ou seja, “o tempo diário de dedicação”. Novamente, pergunto. Depois de pensar sobre a média temporal para ser aprovad@, você ainda acha que contabilizar horas estudo diário é relevante? Ou será que esse tipo de colocação serve mais para se vender cursos do que qualquer outra coisa? A lógica é simples. Não há possibilidade de o contexto ser estável o suficiente, durante 4 anos, para que você permaneça estudando 10 horas por dia. Tudo vai oscilar, inclusive sua vida. E isso lhe tomará tempo precioso. Momentos de revisão, talvez, você dedique muito tempo. Mas, em média, é você quem dará o compasso. De acordo com suas possibilidades. O estudo é seu e de ninguém mais. Não entre nessa bobagem de dedicação diária. Amplie a visão, não aceite receitas de bolo de quem lhe vende coisas e faça o melhor que puder no tempo que você tem para o CACD. Isso é qualidade de estudo.

Temos, pois, dois “tempos” mapeados. E a certeza de que a instabilidade faz parte dessa preparação. Afinal, o CACD não é diferente de outros meios de seleção ou contratação. Você fará algumas vezes a prova. Até passar. Ou seja, há instabilidade no antes, durante e depois do CACD. E, justamente, ao se ver a instabilidade, é que percebemos outro tempo: o “tempo de caos”. Por incrível que pareça, ele é extremamente importante, e coexiste com o quarto tempo – o “tempo de ordem”. Tenho certeza de que você já sentiu os dois.

Lembra daquela vez em que você fez uma prova decisiva e não foi bem? Vestibular, outros concursos ou mesmo a prova do CACD do ano passado. Então você deve ter na memória como é difícil retomar os estudos. Realinhar. Reorganizar os recursos e recomeçar a fazer algo que você achava já ter feito. Parece que ficamos na escuridão nesses momentos. Esse tempo de realinhamento é o caos. E ele acompanha a ordem. Após aquela prova em que você foi mal, reina o caos. E de tanto esse “tempo de caos” reinar, você se vê obrigad@ a sair dele. E isso te leva ao “tempo de ordem” – para a luz da retomada. Esse movimento, pode acontecer ao longo de um dia, de uma semana ou mesmo de um mês. Já viu quando as pessoas chegam e te dizem “não consegui estudar nada hoje, sei lá, parece que tem um peso”… então: caos.

Quanto mais rápido e profundo é o caos, antes você se prepara para sair dele –  porque a pressão é um tanto incômoda – e busca a maior elevação: na ordem. Alun@s que arrastam o tempo de caos durante meses, não retomam o estudo. Resultado, morrem na praia abandonando o estudo ou perdem momentos preciosos para a retomada e realinhamento para a próxima prova. Têm medo a ponto de aprenderem a conviver com o caos e se acostumam.

Por outro lado, aqueles que entendem o caos, que não o temem, que sabem que vão entrar nesse tempo escuro após a prova ou em algum dia qualquer– o que é natural – estão preparados para afundar no caos e sair rapidamente. Não carregam peso. Com isso, retomam os estudos aproveitando a maior luz do tempo enquanto os outros estão na escuridão dos períodos de caos. Alguns chamam isso de resiliência… eu chamo de bom senso e coragem. Quem teme o “tempo de caos” – emocional, portanto – não deve disputar o CACD. Mas, também, terá dificuldade para ver o “tempo de ordem” e poucas coisas serão conquistadas em sua existência.

Então, temos até aqui, quatro tempos. O “o tempo médio de preparação”, o “tempo de estudo diário”, “o tempo de caos” e o “tempo de ordem”. Os dois primeiros menos relevantes. Com organização e foco são rapidamente compreendidos. Basta você adaptar sua vida e seus recursos a esses tempos. Os dois últimos muito importantes, já que ligados diretamente à evolução de seus estudos e, portanto, ao seu comportamento e aos seus sentimentos. Os aprovados, invariavelmente, sabem lidar com esses dois últimos. É o chamado “teste de resistência” ou de “vocação” (como belamente ouvi nesses dias).

Mas, não perca a conta, ainda há outros tempos envolvidos nessa jogada. Que, aliás, são aqueles que podem ser perdidos ou não obtidos. Oportunidades, na realidade. Chamo esse tempo de “tempo da maturidade” – para enxergar o objetivo, para saber o que você quer. Entrar na preparação ao CACD demanda que você reflita sobre sua vida e sobre a sua relação com as próprias escolhas. Vez ou outra, ouço – e gostaria de ouvir menos – “eu, nesse estudo, já tive que abrir mão de muitas coisas, minha (ou meu) parceira aguenta uma barra, não fui à balada (se você morar em Sampa como eu) durante muito tempo, meus amigos me excluíram do face, etc.”.

Certo. Vamos pensar em uma história. Um pai ou uma mãe de classe média, com dois filhos pequenos, busca se colocar de forma mais confortável em sua carreira profissional, afinal, há custos em casa para serem mantidos. Ou seja, querem cargos de gerência ou de diretoria na empresa em que trabalham, para viver melhor ou pagar as contas. Nós já vimos anteriormente que isso pode levar em média 3,5 – 4,5 anos para acontecer e demanda dedicação enorme. Eu volto a perguntar: “será que se chegarmos a essa mãe ou a esse pai e perguntarmos como vai a vida, ele ou ela nos dirá que está complicado porque não podem ir para a “balada” na sexta-feira à noite?

Entende onde está a maturidade? Ou o “tempo da maturidade”. Esse tempo exigido pela prova do CACD, está relacionado à postura frente às escolhas. Não há como entrar mais ou menos nesse estudo. Se a balada (claro, que não estou dizendo que você precisa se isolar do mundo, pelo amor de Deus… ah… vocês entenderam… estou sendo maduro em meus comentários) ainda lhe é algo caro a ponto de lhe atrapalhar nessa travessia, acredite, existem pessoas mais maduras em busca de um cargo que paga R$ 17.000,00 por mês, em uma economia na qual o salário mínimo não chega a R$ 1.000,00.

Percebe o “tempo da maturidade”? Sutil ele, né? Mas, certamente, o mais importante. É uma questão de consciência, de desenvolvimento pessoal. De autoconfiança. De saber esperar o momento oportuno. É o tempo mais bonito que o ser humano pode viver. Aquele que nos transforma em agentes de mudança de nós mesmos. Não somos mais frutos daquilo que a sociedade impôs como modelo de “aproveitar a vida” – em baladas com turmas -, mas sim, passamos a criar nosso futuro e a construir a medida daquilo que percebemos como felicidade. Não é um tempo de felicidade – afinal, nada garante que você será mais ou menos feliz como diplomata – é um tempo de consciência – o que constrói momentos de felicidade.

Bom, acho que dá pra pensar nisso tudo. Aliás, espero contribuir com esses comentários, sobretudo, para que você – independente do momento em que esteja em sua preparação – possa fazer a travessia e atingir seu sonho, sem ser enganad@ ou mesmo mal orientado. Como professor sempre quis produzir mentes livres. Independentes. E penso que como professor e coordenador, meu escopo aumentou e minhas oportunidades também. Que esse texto seja, acima de tudo, um conjunto de reflexões sobre os “tempos do CACD” que podem te levar ao sexto conceito: o “tempo da liberdade”.

Forte abraço e bons estudos

Prof. Marcello Bolzan

5 Comentários

  • Perfeito texto! Há um tempo determinado para tudo. No entanto, pessoas que se dedicam em qualquer que seja o objeto, tem que respeitar o “tempo”, não se desesperar e achar que vai ser de qualquer jeito ou que já sabe de tudo e quando não alcança o resultado esperado fica procurando um culpado para sua falta de entendimento. Acredito eu maturidade, sabedoria, dedicação e paciência são no meu ponto de vista a chave para a realização do Muitos projetos de vida. E claro, sempre respeitando o tempo de todos as fases.

    Eliane costa
    • Eliane, não tenha dúvida. Concordo contigo. Agradeço pelos elogios. Forte abraço.

      admin
  • Exatamente, o tempo da maturidade é tudo… Tenho 43 anos, ao final do CACD terei 44…há 15 tinha a ideia de participar do certame…com idas e vindas, casamento, outro trabalho…até que um dia, por conta do trabalho me decepcionar (eu trabalhava no Banco do Brasil)…conversei com minha esposa e, decidimos que seria hora de me dedicar aos estudos para tentar um sonho antigo. Sou sociólogo e já tinha visto todas essas matérias…e decidi começar a estudar somente 65 dias antes do certame de 2017….e estudei somente as matérias que tinha mais dificuldade (Economia e Direito)…não é que acertei todas os itens dessas duas matérias? Aí, decidi me dedicar exclusivamente ao CACD…hoje, mais maduro, mais conhecer do meu eu interior…sabendo até aonde chego e aonde consigo ir…vou me aventurar novamente na empreitada do estudo já que eu andava meio enferrujado.. Mas sábia as palavras do texto….me motivou muito mais.

    Igor Calimam Sampaio
  • Perfeito o texto . Obrigada pela preocupação e formação “emocional ” dos candidatos . Isso para além de qualquer coaching milagroso, faz uma diferença enorme . Obrigada de todo coração !

    Marisa Carneiro

Deixe um comentário