Constituição do Império do Brasil (1824)

Constituição do Império do Brasil (1824)

*Por Philippe Raposo

Nomenclatura oficial: IMPÉRIO DO BRAZIL

Proclamada a independência do Brasil, foi instituída, em maio de 1823, uma Assembleia Constituinte com o objetivo de redigir uma Constituição. Na madrugada de 12 de novembro de 1823, diante de divergências políticas em torno do projeto, D. Pedro I ordenou que o Exército invadisse o plenário da Assembleia, episódio que ficou conhecido como a “noite da agonia”.

Dissolvida a Constituinte, D. Pedro I reuniu dez juristas de sua confiança – “Conselho de notáveis” – encarregados de redigir o texto constitucional. Destaca-se a participação de José Joaquim Carneiro de Campos (Marquês de Caravelas), principal redator do projeto. O texto foi influenciado pela Constituição francesa de 1791, e pela Constituição espanhola de 1812.

Em 25 de março de 1824, o Imperador D. Pedro I, com base na “Graça de Deus” e na “unânime aclamação dos povos” (preâmbulo), outorgou a primeira Constituição do Império. A Constituição/1824 foi posteriormente aprovada por algumas Câmaras Municipais, o que, porém, não lhe retira a natureza de outorgada. Foi a Constituição com maior período de vigência na história do país, vigorando de 1824 até 1889 (65 anos, no total).

A Constituição era uma das mais liberais que existiam em sua época, não obstante tenha institucionalizado o Poder Moderador e centralizado diversas competências administrativas na figura individual do Imperador. Seus principais dispositivos foram:

Art. 1. O Império do Brasil é a associação política de todos os cidadãos brasileiros. Eles formam uma nação livre, e independente, que não admite com qualquer outra laço algum de união, ou federação, que se oponha à sua independência.

Art. 2. Fica o território dividido em províncias;

Art. 3. Governo monárquico, hereditário, constitucional e representativo.

Art. 5. A religião católica apostólica romana é a religião oficial do Império (Estado confessional). Todas as outras religiões serão permitidas em culto doméstico, ou, de forma particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior do Templo.

Art. 10. Quatro Poderes: Legislativo, Moderador, Executivo, e Judicial.

Art. 11. Os representantes da nação brasileira são o Imperador e a Assembleia Geral.

Art. 13. O Poder Legislativo é delegado à Assembleia Geral, composta por duas Câmaras (legislativo bicameral): (i) Câmara de Deputados; e (ii) Câmara de Senadores, ou Senado.

Art. 15. Atribuições da Assembleia Geral: resolver as dúvidas que ocorrerem sobre a sucessão da Coroa; fazer leis; autorizar o governo a contrair empréstimos; etc.

Art. 35. A Câmara dos Deputados é eletiva, e temporária.

Art. 40. O Senado é composto por membros vitalícios, por eleição provincial.

Art. 45. Para ser Senador requer-se: (i) que seja cidadão brasileiro, no gozo dos direitos políticos; (ii) idade mínima de 40 anos; (iii) saber, capacidade, e virtudes; (iv) rendimento anual mínimo de oitocentos mil réis.

Art. 53. O Poder Executivo é exercido pelo Imperador, e pelos Ministros de Estado.

Art. 72. Prevê o estabelecimento de Conselhos Gerais da Província* em cada uma das províncias, exceto na capital do Império, com a função de deliberar sobre negócios locais. As resoluções dos Conselhos Gerais de Província serão remetidas ao Executivo, por intermédio do Presidente da Província.

*Os Conselhos Gerais das Províncias são órgãos provinciais de representação popular vinculado à presidência das províncias, substituindo o extinto Conselho dos Procuradores das províncias. Em 1834, o Ato Adicional substituiu os Conselhos Gerais das Províncias pelas Assembleias Legislativas Provinciais, dotando-as de maior autonomia e competências administrativas.

Art. 90. As eleições dos Deputados e Senadores (Assembleia Geral), e dos membros dos Conselhos Gerais das Províncias, serão indiretas.

Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organização politica, é delegado privativamente ao Imperador como Chefe Supremo da Nação e seu primeiro representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio, e harmonia dos demais poderes políticos.

Art. 99. A pessoa do Imperador é inviolável, não está sujeito à responsabilidade alguma. *Teoria da irresponsabilidade (ou inimputabilidade) do Imperador, pela qual este não responde por quaisquer danos decorrentes dos seus atos. No entanto, os Ministros de Estado e os Juízes de Direito, por exemplo, respondem por seus atos (ex.: abuso de direito).

Art. 101. O Imperador exerce o Poder Moderador:

  1. Nomeando os Senadores;
  2. Convocando a Assembleia Geral extraordinariamente, quando necessário;
  3. Sancionando os Decretos e Resoluções da Assembleia Geral;
  4. Aprovando e suspendendo as Resoluções dos Conselhos Provinciais;
  5. Prorrogando/adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Câmara dos Deputados;
  6. Nomeando e demitindo livremente os Ministros de Estado;
  7. Suspendendo os Magistrados;
  8. Perdoando/moderando as penas impostas aos Réus condenados por sentença;
  9. Concedendo anistia em casos urgentes.

Art. 102. O Imperador é Chefe do Poder Executivo, e o exercita pelos Ministros de Estado. São atribuições dos Ministros: nomear bispos e prover benefícios eclesiásticos; nomear Magistrados; nomear Embaixadores e agentes diplomáticos; declarar guerra e fazer a paz; fazer negociações políticas com nações estrangeiras; celebrar tratados de aliança/comércio, levando-os ao conhecimento da Assembleia Geral, quando o interesse/segurança do Estado permitirem. Se os tratados celebrados envolverem cessão ou troca de territórios, aqueles não serão ratificados sem terem sido aprovados pela Assembleia Geral.

Art. 104. O Imperador não poderá sair do território nacional do Império do Brasil sem o consentimento da Assembleia Geral; se o fizer, se entenderá que abdicou à Coroa.

Art. 121. O Imperador é menor até á idade de dezoito anos completos.

Art. 122. Durante a sua menoridade, o Império será governado por uma Regência, a qual pertencerá no parente mais chegado do Imperador, segundo a ordem da sucessão, e que seja maior de vinte e cinco anos.

Art. 123. Se o Imperador não tiver parente que reúna estas qualidades, será o Império governado por uma Regência permanente, nomeada pela Assembleia Geral, composta de três Membros.

Art. 124. Enquanto esta Regência não se eleger, governará uma Regência provisional.

Art. 137. Haverá um Conselho de Estado, composto de conselheiros vitalícios nomeados pelo Imperador, cujo número não excederá a dez. Os Conselheiros serão ouvidos em todos os negócios graves, e medidas gerais da Administração Pública, principalmente sobre a declaração de guerra, ajustes de paz, negociações com as nações estrangeiras, assim como em todas as ocasiões em que o Imperador se proponha exercer atribuições próprias do Poder Moderador indicadas no art. 101, a exceção do inciso VI.

*O Conselho de Estado foi dissolvido pelo Ato Adicional de 1834.

Art. 165. Haverá um Presidente em cada Província, nomeado pelo Imperador, que o poderá remover, quando assim entender como conveniente ao bom serviço do Estado.

Art. 167. Em todas as Cidades haverá Câmaras (governo municipal).

Art. 179. A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base liberdade, segurança individual, e propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte:

  1. Nenhum Cidadão pode ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da Lei;
  2. Nenhuma Lei será estabelecida sem utilidade pública;
  3. Nenhuma lei terá efeito retroativo;
  4. Todos podem comunicar seus pensamentos, por palavras, escritos, e publicá-los na imprensa sem censura, desde que respondam pelos abusos cometidos no exercício deste direito;
  5. Ninguém pode ser perseguido por motivo de religião, uma vez que respeite a do Estado, e não ofenda a moral pública;
  6. Todo o cidadão tem em sua casa um asilo inviolável;
  7. Ninguém será preso sem culpa formada, exceto nos casos previstos em lei;
  8. A exceção de flagrante delito, a prisão não pode ser executada, senão por ordem escrita da autoridade legitima;
  9. A lei será igual para todos;
  10. Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis;
  11. É garantido o direito de propriedade em toda a sua plenitude;
  12. Todo cidadão poderá apresentar por escrito, ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo, reclamações, queixas, ou petições;
  13. A Instrução primária é gratuita a todos os cidadãos;

*O art. 179 da CF/1824 é o retrato fiel do teor liberal que caracteriza a Constituição de 1824. É, de certa forma, equivalente ao artigo 5º da Constituição de 1988, em termos de direitos e de garantias individuais, resguardadas as diferenças circunstanciais de cada período histórico.

*Philippe Raposo é professor de Direito Interno do IDEG.