Tratado de Versalhes e a Liga das Nações

Tratado de Versalhes e a Liga das Nações

Confira o artigo escrito pelo professor de Política Internacional do IDEG – Felipe Estre – sobre o Tratado de Versalhes e a Liga das Nações. Tema relevante para o estudo de política internacional para o CACD.

Em tempo, inclusive, o tratado comemorou 100 anos nesta quinta feira (27/06/19).

O Tratado de Versalhes

Em 28 de junho de 1919, há exatos cem anos, um dos mais importantes documentos da história era assinado: o Tratado de Versalhes. Assim, encerrava oficialmente a Primeira Guerra Mundial, o mais brutal conflito que já havia assolado a humanidade. Ainda que as pesadas reparações de guerra impostas à Alemanha sejam normalmente o motivo pelo qual o tratado é lembrado, esse texto é dedicado à mais relevante inovação introduzida em Versalhes: a criação da Liga das Nações. Em 1939, porém, apenas vinte anos após a assinatura do documento, eclodiria a II Guerra Mundial.

Teria a Liga, assim, fracassado?

O desenvolvimento tecnológico colocado a serviço da guerra havia causado perdas até então inimagináveis e feridas que demorariam décadas para cicatrizar. Foi com o objetivo de afastar o perigo de um novo conflito que uma organização internacional foi criada.

 

Já em seu preâmbulo, a Liga das Nações institui importantes princípios orientadores:

(1) cooperação para a garantia da paz e da segurança internacionais;

(2) repúdio à guerra;

(3) manutenção de relações internacionais fundadas sobre a justiça e a honra;

(4) respeito ao Direitos Internacional.

Os articuladores do documento buscavam refundar as relações internacionais com base em princípios diferentes dos que vigoravam até então. Rejeitavam a força como instrumento legítimo de ação externa; Primavam pela cooperação e pela justiça; Destacavam a importância do Direito Internacional.

A inspiração liberal na criação da Liga das Nações era clara. O seu texto fundacional ressaltava a importância do comércio equitativo entre as nações, reiterava a necessidade de condições dignas de trabalho, impunha a primazia da solução pacífica de controvérsias. As ideias de Kant, Rousseau, Montesquieu, Grotius, que tão relevantes foram para a constituição da sociedade europeia, permaneciam presentes. A maior inovação da organização, contudo, consistiu no objetivo de reunir os Estados para discutir os principais temas da política mundial em um fórum institucionalizado e permanente.

Instituições internacionais são capazes de alterar o ambiente de interação estratégica entre os Estados.

Ao promoverem um arcabouço normativo bem definido e procedimentos claros, instituições promovem estabilidade. Isto é, sendo capazes de diminuir tensões entre seus membros, de forma que controvérsias possam ser resolvidas por meio do diálogo, e não da força. Ao criar constrangimentos normativos, ações inconsequentes ou ameaçadoras são desestimuladas, favorecendo a construção de confiança entre os Estados. Ao criar canais de comunicação perenes, instituições promovem uma ordem internacional pautada no diálogo e na paz.

 

Se instituições têm efeito claramente positivo nas relações internacionais, por que os Estados a abandonaram e novamente entraram em conflito em 1939?

A resposta bastante conhecida é que interesses egoístas e a política de poder se sobrepuseram à busca de paz e de estabilidade, relegando a organização à inação. Mesmo quando da invasão de Mussolini à Abissínia em 1935, em clara violação do Pacto, nada foi feito.

Ainda hoje, porém, Estados possuem interesses egoístas e a política de poder é presente. Entretanto, as Nações Unidas existem há mais de 70 anos sem que haja um conflito global. O “fracasso” da Liga das Nações mostrou que o preço de ignorar as regras que garantem a convivência entre as nações pode ser demasiado caro. Afinal, a II Guerra Mundial ceifou dezenas de milhões de vidas. A Liga foi importante experimento institucional, sem o qual o sucesso da Organização das Nações Unidas dificilmente seria alcançado. Ainda que a arquitetura institucional da ONU seja mais atenta à política de poder, a confiança de que instituições são necessárias para “livrar a humanidade do flagelo da guerra”, característica da ordem mundial pós-1945, é herança direta da Liga das Nações.